Desde o ano passado, com a maior crise econômica que possivelmente o Brasil já tenha passado, as dificuldades das empresas (seja qual for seu tamanho e ramo) tem-se aumentado substancialmente. Aos poucos foram se acumulando dívidas tributárias, bancárias, comerciais e até trabalhistas.

Com o advento da pandemia do Covid-19 (coronavirus), impondo à sociedade brasileira um regime de isolamento social, em quarentena decorrente da decretação de estado de calamidade pública, as dificuldades se agravaram, e muito. Grande parte das empresas exploradoras tanto de atividade comercial, quanto industrial e prestação de serviços, estão literalmente paralisadas, sem possibilidade de faturamento e com  um acúmulo de dívidas bancárias, impostos e obrigações mercantis.

Ainda que imaginemos que durante esse período as iniciativas para o recebimento dos créditos estejam de certa forma “freadas”, é importante que se entenda que, ao iniciar a fase dessa pandemia essas mesmas empresas já estavam trazendo os reflexos da crise econômica do ano passado, e mantinham para esse ano, uma perspectiva de melhora econômica para que pudessem iniciar um processo de saneamento financeiro. Não só não conseguiram iniciar esse processo, como viram a sua situação agravar-se ainda mais.

Contudo, apesar de aparentemente nenhuma luz se mostrar no fundo do túnel, há remédio jurídico para esse mal. É a recuperação judicial, que tem por finalidade, efetivamente, a recuperação da atividade empresarial, preservação de postos de trabalho, manutenção das relação comerciais e, principalmente, evitar a decretação da falência.

O instituto da recuperação judicial não é novo no direito brasileiro. No Código Comercial Brasileiro, promulgado em 1850 pelo então Imperador D. Pedro II, no Século IX, já se contemplava um capítulo próprio denominado “das quebras”, onde em seu artigo 900 mencionava a concessão da moratória, expressão que denotava a própria concordata. Já no Século XX, mais exatamente em 1945, o então Presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-lei nº 7.661, a nova lei de falências, que revogava o capítulo do Código Comercial e, principalmente, criava o novo instituto da concordata preventiva, pelo qual os empresários se valiam para evitar a decretação da sua falência e promover a recuperação da saúde financeira de seu negócio.

E assim o direito caminhou até 2.005, quando após mais de dez anos de discussão e debates no Congresso Nacional, foi sancionada a nova lei de falências e recuperação judicial – Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005.

Nesse momento nasce a recuperação judicial em substituição a concordata preventiva, com novos objetivos, novo procedimento, novos conceitos.

Para que se tenha a perfeita intenção dos nossos legisladores, o artigo 47 da citada Lei 11.101 (atual lei de falências e recuperação judicial) assim define a recuperação judicial:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

 Assim, um novo caminho, um novo horizonte desenhou-se à classe empresarial, tendo uma ferramenta jurídica capaz de manter sua atividade econômica em continuidade, como também saneada e recuperada.

A decisão da adoção desse remédio jurídico é um passo importante, não só para a realização dos objetivos previstos na lei, como também para prevenção da falência.

A recuperação judicial demanda certo trabalho de preparo para que sejam levados ao Poder Judiciário (e consequentemente ao Ministério Público – que tem sua participação obrigatória nesse procedimento – e aos próprios credores, que têm participação ativa no processo) documentos que comprovem não só o preenchimento dos requisitos legais para a obtenção do benefício, como também a demonstração da viabilidade da atividade em sua continuidade.

Assim que a documentação inicial, probatória do preenchimento dos requisitos, estiver disponível poderá então ser iniciada a primeira fase da obtenção do benefício, a fase postulatória. Nesse momento o Poder Judiciário irá avaliar se efetivamente os requisitos foram preenchidos e se iniciará o processamento da recuperação judicial, como a nomeação do Administrador Judicial, que é a figura que irá fiscalizar as atividades da empresa em recuperação; será dará ampla publicidade à iniciativa da empresa em recuperação, através de editais e comunicados a todos os credores e, entre outros, determinará a suspensão das ações e execuções contra o devedor em recuperação, por seis meses.

Em seguida o devedor ou a empresa em recuperação irá apresentar seu Plano de Recuperação, que deverá ser preparado de acordo com o porte, ramo de negócio, tipo de atividade, onde mostrará a seus credores quais as providências que serão tomadas no decorrer de determinado tempo, que serão o alicerce para recuperação da situação econômico-financeira da empresa e liquidação do passivo que estava constituído no momento do pedido de recuperação.

Esse plano será submetido à aprovação da Assembleia de Credores que irá aprova-lo ou não. Se aprovado, defere-se oficialmente a recuperação judicial. Se rejeitado, em tese, poderá ser convolada a recuperação judicial em falência. Essa é a fase denominada de fase deliberativa.

Por fim, aprovado o plano de recuperação e deferido o benefício da recuperação judicial, inicia-se a fase executória, onde a empresa em recuperação deverá cumprir, dentro do prazo e nas formas estabelecidos no plano de recuperação, todo o prometido, a fim de que se reconheça a liquidação e extinção das obrigações e a efetiva recuperação da empresa.

Há procedimentos diferenciados em relação às microempresas e empresas de pequeno porte, respeitados os limites de faturamento de cada uma delas, com menos exigências e características próprias.

Por fim, caso seja de interesse e conveniência da empresa devedora, há a hipótese da recuperação extrajudicial, com formas específicas, onde o devedor oferece o plano de recuperação diretamente a seus credores que, se aprovado, será homologado pelo Poder Judiciário, sem contudo, a formalidade complexa da recuperação judicial.

Evidentemente há nuances e aspectos técnicos complexos no desenvolvimento de toda a preparação e execução de um pedido de recuperação judicial. Além dos requisitos técnico-processuais, há as peculiaridades contábeis, relatórios, balanços, demonstrativos que devem se elaborados por contadores regularmente constituídos, bem como a própria elaboração do plano de recuperação, que deve contem providências, projeções, e estratégias que devem oferecer aos credores, nítida visão do que irá ocorrer no tempo previsto para a duração da recuperação.

Assim, nesses 15 anos de vigência, a Lei nº 11.101/2005 tem-se demonstrado útil aos fins a que se propôs, embora reconheça-se que a velocidade com que evoluem as atividades econômicas, ajustem merecem ser feitos, para que a lei dê ao empresário brasileiro, resposta rápida e eficiente aos seis anseios.

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